segunda-feira, 18 de maio de 2009

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Gostei do sapateado de um dos "arrumadores" enquanto descia até junto de um individuo que tentava capturar parte das sonoridades bafejadas pelo metal, madeira e xilofones enfurecidos (juro que um deles tinha orelhas pontiagudas e os dentes limados para melhor rasgar carne), munido de câmara fotográfica, tripé e sabe-se lá o que mais, preparado para levar uns bons momentos consigo e atordoar quase todos os elementos da orquestra com a ajuda do seu flash irritante.

A senhora que insistia em rodar a cabeça para trás como se de um castigo se tratasse, estaria a olhar para o troféu mais novo do seu ex ou algo parecido.

Bocejos ininterruptos de um tipo duas filas abaixo, merecia uma frigideirada na careca para aprender de uma vez por todas que a mão direita costuma ser utilizada para tapar a bocarra, parece que o filho não segue as pisadas do pai.

O maestro que chegava atrasado e pulava de tudo o que era abertura para o palco, exigia quase sempre os tais aplausos de pé aos quais resisti obrigando-me a permanecer sentado enquanto olhava para os rabos das espectadoras que assistiam à minha frente, as senhoras limitavam-se a apreciar e a comentar entre si a destreza da batuta do senhor e o movimento de ancas que continuaria a demonstrar até ao final, trecho após trecho, tal era a absorção e entusiasmo.

Um pianista que tenho aprendido, impedido de dar o seu pezinho de dança, suportado por muletas que nada lhe serviram após o exercício estimulante que nos proporcionou, o aquecimento de coração terá servido na cura milagrosa.

A violinista que se destacava facilmente dos restantes amorfos (a postura adequada e contenção emocional parecem ser importantíssimos, a linguagem corporal transportada e emitida unicamente através dos dedos que pareciam sobre-humanos e de aprumo desconcertante, seria o único indicador de prazer obtido), de instrumento encostado ao peito no inicio da segunda parte, brincava com os colegas que dificilmente suportavam o som profundo dos contrabaixos, colocou o arco de parte e dedilhava umas sonoridades interessantes enquanto afastava o olhar do seu colega que parecia sofrer de um tique nervoso pois fazia movimentos estranhos e repetitivos de pescoço.

O único violoncelista arrebatado pelos arranjos súbitos mas subtis, pela ferocidade orquestrada de quem dirigia tudo aquilo, as pausas causavam-lhe algum desconforto, dava a entender de braço estendido que as mesmas não lhe serviam, que gostaria de prosseguir mesmo que não fosse aquele o momento mais adequado para poder recomeçar.

Eu? Adorei assistir às composições costuradas, desfeitas e recompostas sempre a tempo, juntei-me aos que verdadeiramente estariam a apreciar e aplaudi mesmo nos momentos errados, o único senão foi ter falhado a tentativa de manter as pálpebras abertas durante o tempo todo, ainda perdi uns milionésimos de segundo de luz reflectida na superfície vibrante de cada instrumento.

1 comentário:

Astrid disse...

Há dias em que nem me apetece aplaudir... mas não dispenso uma "olhadinha" básica nos "poposudos" de plantão... ;)
Beijos, flores e estrelas *****